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sexta-feira, 27 de setembro de 2013

BENDITO SEJA LÊDO IVO ENTRE AS MULHERES

Lêdo Ivo: 1.099 páginas de poesia
 
Seguem abaixo quatro poemas de Lêdo Ivo que possuem as temáticas da exaltação e contemplação da figura feminina. As mulheres e tudo que as circundam, na graciosidade e beleza, constituem temas frequentes na extensa obra poética de Lêdo Ivo. Os poemas pertencem aos seguintes livros: As Imaginações (1944, livro de estreia ao autor), A Jaula (obra publicada primeiramente em edição conjunta com a Ode ao Crepúsculo, de 1948) e Cântico (1951).
 
 
 
SONETO DA MULHER E A NUVEM
                A João Cabral de Melo Neto
 
Nuvem no céu do nunca, nem tão branca
-- assim era o amor, à minha espreita,
e era a mulher, dê nuvens sempre feita
e de véus e pudor que o amor arranca.
 
Não pude amá-la, pois não era franca
a sua carne que o amor aceita,
nuvem que um céu de amor sempre atravanca
e entre praias e pântanos se deita.
 
Bruma de carne, em vão céu de tormento,
parindo fogo aos meus dezesseis anos,
assim foi ela, sem deixar seu nome.
 
Nunca foi minha, e só em pensamento
eu pude dar-lhe o amor de desenganos
que me deixou no corpo espanto e fome.
 
 
ELA ME VISITAVA EM CERTAS MANHÃS
 
Trazes o amor, em mistura com a morte.
E teus gestos lentos habitam todos os instantes
em que uma flor cai ou uma estrela passa.
E tuas mãos, brancas de orvalho ou queimadas de sol,
guardam lembranças maiores que visões de ilhas.
Vieste para levar meu sonho sob o céu
e saber-me perdido na desesperança.
 
Não me esquivarei no entanto ao teu convite.
Que queres, castelã? Amor, soneto ou ode?
dou-te o que desejas. Escolhe em mim
este riso, esta carícia, este grito, estes braços.
Deixa-me porém nada escolher de ti.
Já és a própria escolha. Entra, visitante,
e sê a permanência, o sempre junto a mim.
 
 
TOMÁVAMOS BANHOS DE MAR
 
Indiferente à tua mudez
descubro-me na varanda onde navegam
maiôs em idílios matinalmente justificáveis.
 
Quisera ir flutuando contigo
até os rios onde a aurora nasce
e a chuva guarda o céu.
 
No mar te afogas.
Moça de corpo úmido, teu desejo está salvo.
Se o vento soprar, fugirei para longe.
 
A maré vazava, descobrindo rochedos
onde os primeiros peixes do mundo
cintilavam, libertos.
 
Morrer contigo longe, onde não chegam as lágrimas.
Perder-me na magia irregular de tua adolescência
e secar-me para sempre na tua umidade.
 
Não mais os anjos, o violento, o longínquo.
na calma das pedras as nuvens cobrem o céu
e teu corpo cobre o sono, o tédio, os grandes sonhos.
 
 
SONETO DAS MOÇAS MORENAS
 
Cinco moças morenas, a dançar
no verde bangalô sobre a colina,
juntam-se numa única menina
para morrer de amor, sempre a bailar.
 
Jogar-se-ão desse baile em pleno mar
quando a tarde descer sobre a colina
e a casa grande for parar na esquina
onde as rosas cessaram de brotar?
 
Cinco moças morenas, residentes
nos blues que imaginaram todo o mar
e vestiram de verde os arvoredos,
 
não dancem mais, não cantem os frementes
cantos de amor distante; a os escutar
silenciarão de amor estes rochedos.
 
 
In: IVO, Lêdo. Poesia Completa: 1940-2004. Rio de Janeiro: Topbooks, 2004
___________. O Sinal Semafórico: Poesia. Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1974.

segunda-feira, 29 de julho de 2013

DOIS SONETOS DE WALDEMAR LOPES (1911-2006)

 
WALDEMAR Freire LOPES (S. Benedito do Sul-PE, 1911 – Recife-PE, 21 de Outubro de 2006) foi um poeta brasileiro. Inicialmente jornalista, ocupou cargos de relevo na administração pública e dirigiu o Escritório da Organização dos Estados Americanos no Brasil. Manuel Bandeira o incluiu, com altos elogios à sua poesia, então quase inteiramente inédita, na 2.ª ed. de sua Antologia de Poetas Brasileiros Bissextos Contemporâneos, 1965. Os dois sonetos abaixo transcritos pertencem ao volume intitulado Sonetos do Tempo Perdido, 1970, que foi agraciado com o Prêmio PEN Clube do Brasil de 1971. Pessoalmente considero como um dos maiores sonetistas do Brasil, pela capacidade de agudeza de conteúdo aliado ao requinte da forma poética impecável, além da posse da língua, absolutamente completa e luminosa.
 
SONETO DA ESPERANÇA
 
Tempo de azul e não. Desencantado
reino do que não foi, mundo postiço,
ontem feito de agora, hoje passado:
na essência do não-ser o instante omisso.
 
(Margaridas da tarde, onde o seu viço?
Choro de água nos ares, lento e alado
caminho cor de sonhos? Insubmisso
mar sem datas, desfeito e recriado?)
 
Suaves rechãs por onde a mão do vento
esculpia no verde a sombra exata
e as imagens que o olhar já não alcança.
 
Aventuras tão-só do pensamento:
arco de azul, a tarde era a fragata
supérflua, para o exílio da esperança.)
 
SONETO DAS NUVENS E DA BRISA
 
Os pássaros nostálgicos... Errantes
mágicos do crepúsculo, soprando
das longas asas trêmulas o brando
vento da tarde; e logo, em céus cambiantes,
 
alvos blocos de pluma vão distantes
e efêmeras imagens modelando:
sereias e hipocampos, entre o bando
de carneiros, e rosas, e elefantes,
 
cães e estrelas, dragões, ou aguçadas
torres, na superfície roseoviva
por onde voga, acesa, a caravela
 
e as longas asas captam, retesadas,
a poesia da tarde, fugitiva,
mas eterna no instante em que foi bela.
 
In: LOPES, Waldemar Freire. Memória do Tempo. Rio de Janeiro: Padrão Livraria Editora, 1981. (Pg. 37 e 38).

domingo, 3 de março de 2013

A ANTOLOGIA METAPOÉTICA DE ANDERSON BRAGA HORTA


HORTA, Anderson Braga. Signo (Antologia
Metapoética). Brasília: Thesaurus, 2010.
 
 


Um dos representativos autores da Geração 60 na literatura brasileira, pela vertente de poesia, o poeta mineiro-brasiliense Anderson Braga Horta (1934), ofereceu mais um importante volume de sua significativa obra. O livro, intitulado Signo: antologia metapoética (Brasília, Thesaurus, 2010), reúne extensivamente vários poemas que contenham como objeto poético a própria poesia. Na compilação dos textos, foram selecionadas peças cuja referencia metapoética fosse de forma passiva (poesia como leitmotiv) ou ativa (mais entrelaçada ao próprio fazer poético), como um receituário ou filosofante da poesia em si. 

O metapoema é uma das grandes ocupações do fazer poético na modernidade: possui como objeto de percepção versar sobre o objeto poético, mesmo variando a abordagem sob uma perspectiva parcial ou total. Difícil é não encontrar algum texto ou um poema, seja na literatura nacional seja na literatura estrangeira, algo que não se refira ao fenômeno da metapoesia. Verifica-se, porém, que diversas vezes tal procedimento transpareceu-se em uma espécie de falta de assunto crônico, mesmo constituído num recurso por demais incensado por teóricos e ensaístas, resultando inúmeras vezes em mero esteticismo. Contudo, é tomado como assunto incontornável por parte de poetas e intelectuais no decorrer de todo século XX. 

Felizmente, isso pouco ocorre com a poesia de Anderson Braga Horta: dentre uma produção poética profícua e na maior parte das vezes bem realizada, Anderson se insere através da reflexão aguda, sobretudo pela verdadeira investigação sobre objeto poético. E sem nenhum favor, Anderson, autor de Signo, participa altivamente nesse grande diálogo de todos os tempos, da função (ou não) do poeta e da poética na produção artística. Nos poemas inseridos em Signo, desenvolve-se, entre outros, a reflexão e a emoção nominalizada através dos recursos e alcance da poesia. Cumpre destacar que a inquietação metapoética de Anderson Braga Horta se segue desde a iniciação literária deste, em 1950. O mesmo sentimento permaneceu ao decorrer de sua vida literária, fator latente durante toda a atividade produtiva.

Os poemas em Signo prosseguem dispostos de forma cronológica, em peças produzidas entre os 16 até os 74 anos de idade, ou seja, quase sessenta anos de longeva produção literária. O autor divide se divide em quatro partes: de fato há quatro ciclos de produção: a primeira, que vai de 1950-55, com a produção inicial mais ligada a um talhe tradicional e num tom passadista, mas sem prejuízo nas composições, sendo que nesse ciclo incluem-se os sonetos com as chaves de Guilherme de Almeida — compostos em 1960 — e outras peças esparsas ao decorrer da trajetória literária. O segundo ciclo, 1956-1981, (inclui-se 1987, isolado), contém os poemas da maturidade, e são em grande parte dos casos de notório valor literário, com poemas inseridos nos volumes Altiplano & Outros poemas (1971), Marvário, (1976) Incomunicação (1977), Cronóscópio (1983) e O Pássaro no Aquário (1990). O terceiro ciclo é o que compreende a partir de 1993-presente, numa produção notadamente mais esparsa e circunstancial, porém, sendo recorrentemente superior ao mero valor documental. O quarto ciclo são as notas e fragmentos, notadamente em prosa, que são fundamentais para a compreensão e sentido do livro, merecedores sem dúvida de um estudo em separado.

No primeiro ciclo é apresentado um Anderson Braga Horta muito jovem, não pelo bisonho da produção (que ele mesmo se afirma), mas do aparecimento, desde muito cedo, de uma linguagem poética própria, plástica e musical, mesmo que apercebesse um certo anacronismo e uma gratuidade de expressão na fatura de alguns poemas. O autor desde o início soube manejar prioritariamente o verso metrificado, assim como o assenhoramento dos versos decassílabos e alexandrinos franceses. Nesse primeiro ciclo predominam os sonetos e poemas, em peças já significativas, tais como “Desilusão”, “Prece”, “Anteprimavera”, “Ideal” e “Porta”. Outras dois poemas se destacam: os sonetos “Cigarra” e “O poeta e a vida”. O primeiro, inserido em Soneto Antigo (2009) me fez lembrar o lirismo crepuscular do hoje esquecido Olegário Mariano (1889-1958), poeta neoparnasiano, conhecido como o “poeta das cigarras”. Já o soneto seguinte, a referência exterior à poesia figura-se bem exposta: