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segunda-feira, 24 de novembro de 2014

OS 80 ANOS DE ANDERSON BRAGA HORTA


ABH em palestra recente

Para não passar batido, deixo aqui as minhas louvações aos 80 anos de Anderson Braga Horta, completados há alguns dias. Poeta premiado, vencedor do prêmio Jabuti (na categoria de poesia) em 2001, Anderson Nasceu na cidade mineira de Carangola, em 17 de novembro de 1934.  Seu pai, o advogado Anderson de Araújo Horta, e sua mãe, Maria Braga Horta, foram professores e poetas.  Assim, criado num ambiente de respeito à cultura e amor aos livros, Anderson nos lega, desde o início dos anos 50, uma obra poética sólida e duradoura.

Confesso que sou um entusiasmado leitor da obra de Anderson Braga Horta, tendo a oportunidade de escrever um pequeno estudo sobre um livro do autor, “Signo: Antologia Metapoética”, de 2012, que poderá ser lido através deste link: http://www.verbo21.com.br/v5/index.php?option=com_content&view=article&id=1680:a-antologia-metapoetica-de-anderson-braga-horta-claudio-sousa-pereira&catid=128:resenhas-e-ensaios-outubro-2012&Itemid=169

Torço e rezo para que Anderson Braga Horta conviva conosco por muitos e muitos anos.

Dois poemas do autor:

BALANÇO

O mundo não acabou.
O Reino prometido não chegou.
E as novas profecias
falam de fome,
peste,
guerra.

As ideologias baqueiam, mas resistem.
O dogma levanta-se do chão das críticas
talvez mais forte.
A intolerância cede aqui, o fanatismo
ruge acolá.
A razão se perde em sem-razões.
Na desrazão
o embuste
se robustece.
A tribo opõe-se
à humanidade.

Mas o poeta quer sobreviver.
E recomeça, eterno,
a invenção da utopia.

OCEANO TERRÍVEL

Tenho estado na Terra como em sonho,
sem ver da paisagem mais que uns traços.
Nebuloso é o país em que me ponho,
por mais que os sóis esplendam nos espaços.

Não sabendo aonde vou, e dissipada
a memória do abismo donde venho,
sinto a vida futura já passada,
perdido num presente que não tenho.

Sem vagas é este mar. O céu não brilha.
Apenas adivinho um sol deposto
que na minha cegueira eclipsa o rosto.

Sem estrela polar, sem porto ou ilha,
perdi neste deserto os próprios rastros.
Ó mar terrível, ó terríveis astros!

segunda-feira, 23 de junho de 2014

O SONETO TEMPORÃO DE MAURO MOTA


Talvez composto em época após a publicação do livro Elegias (1952), Mauro Mota mantém na Elegia Nº 11 a unidade rítmica e o tom característico dos poemas constantes na referida obra, volume esse que o projetou nacionalmente e o fez conquistar o Prêmio Olavo Bilac, concedido pela ABL. Segundo César Leal, a obra foi escrita no clima do luto pela perda da primeira esposa do escritor. O soneto temporão transcrito abaixo sugere talvez essa despedida amorosa, metaforicamente fluente e etérea, mas definitiva nos espectros de imagens que tanto perduram no livro.
Mauro Mota (1911-1984), poeta pernambucano, é um poeta que, numa quase surdina de invisibilidade, enriquece a cultura nordestina e nos torna mais ricos de espírito.

ELEGIA Nº 11


Suave e leve, o que se vai embora
com a leveza e a suavidade de uma
frágil, solta no ar, bolha de espuma,
brisa da madrugada, espaço afora.


Imagem branca, sombra, réstia, pluma,
o que a origem se devolve agora?
Para a região sem noite e sem aurora
parte? Talvez para região nenhuma.


O que se vai embora? O cristalino
eco da última voz muda e distante?
A música liberta do violino?


Na região de Deus, mal pousas um instante
que alumiar todo o céu é o teu destino,
alma feita de luz no céu, flutuante.
     

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

MORMAÇO: A ÚLTIMA ESTAÇÃO DE LÊDO IVO?

Mormaço (RJ: Contracapa, 2013)



A morte, entendida como dissolução inarredável da natureza humana, é a temática principal dos poemas de Mormaço (Rio de Janeiro: Contracapa, 2013), de Lêdo Ivo (1924-2012), poeta, escritor e ensaísta que pertenceu à Academia Brasileira de Letras. A visão do sujeito poético sobre a “indesejada das gentes”, conforme famosa expressão de Manuel Bandeira, é desalentadora e irredutível. O poeta busca abordar a finitude da existência humana em diferentes inflexões, desde as reminiscências poéticas que remetem à terra natal (Alagoas), até as passagens pela Europa e Estados Unidos, atravessando toda a trajetória pessoal de longos 70 anos de ininterrupta e intensa carreira literária.
Seria este livro a última estação poética de Lêdo Ivo? Provavelmente não, uma vez que após a edição de Mormaço já vieram a lume mais dois títulos: a reedição aumentada de O Aluno Relapso — acompanhada agora de uma segunda parte, intitulada Afastem-se das Hélices, que contém os últimos escritos do poeta — e o anunciado Aurora, pequeno livro de 13 poemas publicado já na Espanha. Mormaço, também editado inicialmente em solo espanhol (com o título de Calima, pela Vaso Roto Ediciones), ganhou versão em português pouco depois da morte do autor, em 23 de dezembro de 2012, na cidade de Sevilha. A publicação de um livro fora de seu país natal sugere uma enormidade de questionamentos, que vão desde a inexpressiva presença do poeta alagoano no cenário acadêmico até a posição do autor no cenário editorial e literário brasileiro, pautada pela agudeza pessoal e crítica, às vezes reiterativa e mordaz em relação ao cânone modernista brasileiro e seus influxos, isto é, à literatura que se sente tributária da Semana de 1922.
No senso comum (espécie de consenso de um sentido), mormaço é um estado climático que provoca inquietude corporal, pelo abafamento e calor causticante, a sugerir que pouco depois virá uma inevitável chuva, trovejante e dissolvente. Desta forma, Mormaço para Lêdo Ivo pode ser, metaforicamente, a inquietação final diante de um desaparecimento inevitável. O feliz título para o volume não significa a felicidade de uma transição para outra existência, mas a constatação pessoal, pessimista e negativa, ainda que conformada e resignada:

A BELA AURORA

Sempre estive onde está o amanhecer.
A noite se converte em bela aurora
e nos meus olhos o sol deposita
um cortejo de sombra e de silencio
e um calor que jamais aquece os mortos.
E aqui estou, ó Morte, e trago a vida
como quem traz nas mãos a despedida
após tantos adeuses provisórios,
para que também morras junto a mim,
relâmpago na aurora escancarada
a um pensamento que jamais se pensa
e a um nada que é tudo, sendo nada.
                                                 (IVO, 2013, p.24).

O poema acima é um das várias peças poéticas com essa temática, em que o clima de uma suposta negação à transcendência, ainda que haja uma verticalização, faz-se quase sempre presente. A priori, na primeira leitura do poeta, a sugestão sobre o final da existência humana perfaz-se na imagem do pó e a nulidade post-vitae, como se depois da existência “nada tivesse acontecido ou existido”. Entretanto, essa leitura pode se mostrar incompleta e até equivocada, devido à trajetória múltipla e inquietadora de Lêdo Ivo desde a sua estreia com As Imaginações, aos 20 anos, em 1944. Os anos se passaram e dezenas de coletâneas vieram a lume, de modo que a visão religioso-mística do poeta caminhou num grau de tangenciamento do assunto, assim como foi, ao mesmo tempo, problematizadora da referenciação judaico-cristã. Esse traço jamais desapareceu de sua obra poética. Para isso, é importante ressaltar o que o poeta e estudioso Wladimir Saldanha expressa sobre o assunto:

“A imagem está, por assim dizer, em negativo: Lêdo Ivo não tem um cristianismo afirmativo, como fora o caso de seu conterrâneo, o também alagoano Jorge de Lima. Suas imagens cristãs são problemáticas desde esse começo, muito embora ainda esteja longe, aqui, de uma atitude blasfema”.
  

Entretanto, o problema da transcendência persiste: em uma de suas últimas entrevistas à televisão, ficou mais que evidenciado o seguinte fator — Lêdo Ivo, apesar de tratar sobre o assunto em toda a sua vida, demonstrava que tinha receio da morte como finitude completa da existência. Segundo o poeta, para o exercício de viver, se “comprometeria a fazer qualquer negócio”, além da afirmação de que a “posteridade de sua obra não representaria nada”, uma vez que considerava a consciência do viver como algo imprescindível inclusive para a verificação e noção da própria obra literária realizada. Portanto, não é possível estabelecer uma verdade sobre o assunto, dado o caráter ambíguo das declarações acima citadas. Enfim, um problema que somente poderia ser investigado em outro estudo, ocupado somente desse domínio.
Em Mormaço, há uma tensão de linguagem subjacente à utilização do tema metafísico, além da simetria entre forma e conteúdo, princípio de construção que o poeta seguiu à risca em toda a sua trajetória literária. A contemplação amorosa do mundo e a angústia metafísica da linguagem são motivos poéticos, que, aliás, se fazem bastante presentes nos cinco primeiros livros do poeta: a fatura do poema acima evoca um pouco algumas peças de volumes anteriores, entre os quais, Linguagem (1949), Cântico (1951) e, sobretudo, Magias (1960).  Neste livro publicado há mais de cinquenta anos, já por meio dos primeiros poemas da obra, verificamos que Lêdo Ivo trata o assunto da passagem do tempo e da presença da morte mais a sério que na poesia anterior, constatando-se, com isso, a formulação de um primeiro balanço sobre a própria existência. É o que também ocorre com o livro Mormaço, agora buscando expressar poeticamente o seu desconcerto diante de uma iminente finitude física.
Mas nem tudo no livro é tomado por essa gravidade pungente, fato tão íntimo a nossa natureza trágica: o ritmo formal do poeta impressiona. Em poemas escritos com a idade acima dos oitenta anos, Lêdo Ivo conservava o vigor estético e virtuosístico de outrora. O poeta ainda mantinha posse de todos os recursos estilísticos e formais na conjunção forma-conteúdo, se bem que evitasse o ritmo "ciclópico" e transbordante que marcara o início de sua obra poética. Mormaço é um notável livro, no qual o poeta se despede em grande altura, incorporando também 42 notáveis pinturas de Steven Alexander. Sem dúvida, o volume se faz suficiente para dar uma bela bordoada (ao menos intelectiva) na cabeça de muitos literatos da contemporaneidade, porquanto percebamos uma frequência reduzida de estudos sobre o poeta na universidade, feitas a exceções a alguns estudiosos exemplares que não põem em dúvida a capacidade e a grandiosidade do poeta alagoano, presença que se impõe cada vez mais.
Segue abaixo um soneto (forma da qual Lêdo Ivo sempre fez uso) com a mestria habitual. Mestre, pois readmitindo o seu uso desde o primeiro momento, editou um livro exclusivamente formado com tal molde poético (Acontecimento do Soneto, de 1948) e o seguiu cultivando durante toda a sua lírica. Mestre porque, nas habituais sequências de enjambements, logrou atingir uma comunicabilidade elástica de rara precisão, ajudando a dar novo sopro ao soneto na poesia brasileira contemporânea:
        

SONETO DO ARRASTÃO

Tudo que desejei fundei no vento
que nada guarda e a tudo desafia
e fratura a paisagem, na porfia
de abolir o alicerce e o fundamento.

Em vez de confiar meu desalento
ao vento confiei minha alegria,
mudada e tarde clara na sombria
sobeja noite de raio e tormento.

Apartado de mim, refém do vento,
e em seu sopro mudado, e no arrastão
que ousa cegar até a luz do dia,

no torvelinho desse apartamento
findei por ser o próprio turbilhão
e, sendo vento, fui minha alegria.
(IVO, 2013, p.27).

O poema seguinte aparentemente trata apenas de uma temática que contém como objeto poético a própria poesia. O metapoema, como uma das grandes ocupações do fazer poético na modernidade, versa sobre o próprio objeto literário. Entretanto, a leitura desse poema não se reduz a tal domínio. Nas duas últimas estrofes, está uma declaração de abertura de sentido bastante significativa, que presentifica também uma espécie de profissão de fé do autor no livro: o tema da morte se reinsere novamente, inclusive num texto sobre reflexão poética, um exemplo dentre vários, o que talvez tenha levado Ivan Junqueira a chamá-lo, no estudo introdutório da Poesia Completa (2004, p. 27), de um “lírico elegíaco”:

O QUE DIZ UM POEMA

Um poema sempre diz nada
e também sempre diz tudo
como a voz de um falastrão
dentro da boca de um mudo.

Um poema não tem sentido
por ser tudo e por ser nada
como o clarão pressentido
na bruma da madrugada.

Um poema diz o que cala
ou fica nas entrelinhas
uma espada na bainha
escondida numa mala.

Um poema é uma máscara
da face sempre escondida
que projeta nos espelhos
a prova de seu disfarce.

Um poema fala da morte
e do inferno desta vida.
Sempre haverá de sangrar
a nossa eterna ferida.

Sobre a imensidão marinha
entre peixes e corais
o poema é como um navio
que jamais regressa ao cais.
(IVO, 2013, p. 134).

A exemplificação desse domínio técnico desenvolvido por Lêdo Ivo (que não se confunde com a técnica de fazer versos) na observação e leitura de diversos livros da poesia brasileira, é conseguida através de muita meditação e convívio com as várias soluções verbais e versificatórias possíveis. Além disso, são necessários muitos anos de tentativa, convivência com os mestres de todos os tempos literários, amadurecimento e conhecimento interior. Todavia, algo mais além do que a perícia formal se fazia necessário para sustentar um livro como esse, com muitos altos momentos e poucos reveses. Há que se destacar as palavras de Wladimir Saldanha (2013) no primeiro ensaio sobre o livro, ainda na versão ibérica da obra, anterior à edição brasileira:

“Interessante, nesse ponto, ressaltar a coerência criativa de Mormaço, pois o livro não é um mero amontoado de poemas escritos profusamente, como um adeus espalhafatoso, de quem procura assegurar-se do aceno. O próprio signo “mormaço”, quando não está diretamente relacionado ao ambiente dos poemas, à sugestão de morte que domina o livro, ocorre discretamente [...].” (SALDANHA, 2013, p. 5).

 Eis a grande lição de Mormaço: Lêdo Ivo almeja “o entender contemplando” que remete não ao sentido de ordem mais cosmológica, mas ao imanente e real-concreto existencial da vida. O autor não faz mera especulação, mas oferece a si mesmo e aos leitores um questionamento da natureza do ser, da precariedade da existência, e da relutante despedida temporal, estando neste último subtema o cerne da questão. Lêdo Ivo pranteia o ser fenomênico – talvez porque tenha sido, afinal, um homem realizado, pleno, tendo conhecido alguma forma de felicidade na limitação que é de todos nós. Um exemplo comovente é visto na peça intitulada “Novo Soneto de Paris”, espécie de poema temporão que dialoga com a obra de cinquenta e oito anos atrás, Um brasileiro em Paris, de 1955, em que o “Novo” se revela, em verdade, como o “último momento” de uma vida que sempre se reinventava, e que de alguma maneira se transmutou para outra e definitiva forma: o coração e o espírito de seus leitores e admiradores:
[...]
a ti dedico os passos derradeiros
que me afastam da vida quando passo
sob as árvores da longa alameda.

Entre a noite indolente e os sóis primeiros
cai a folha do amor, e cai no espaço
do dia breve. E a morte é muda e lêda.
                                          (IVO, 2013, p. 217).

REFERENCIAS

IVO, Lêdo. Poesia Completa. Rio de Janeiro: Topbooks, 2004.
IVO, Lêdo. Mormaço. Rio de Janeiro: Contracapa, 2013.
JUNQUEIRA, Ivan. Quem tem medo de Lêdo Ivo? In: IVO, Lêdo. Poesia Completa. Rio de Janeiro: Topbooks, 2004.
SALDANHA, Wladimir. A morte solar de Lêdo Ivo. Disponível em: <>. Acesso em 27 de Setembro de 2013.
SALDANHA, Wladimir. Duas vezes Lêdo Ivo. Disponível em: << http://www.revista.agulha.nom.br/ARC06ledoivo.htm>>. Acesso em 10 de Outubro de 2013.