Neste ano de 2017 marca o centenário de
uma das obras que abriram caminho para a moderna poesia brasileira: “A Cinza
das Horas” (1917), de Manuel Bandeira (1886-1968). O livro, então com 49 poemas,
numa edição de apenas duzentos exemplares e custeada pelo pai, figurou-se não
apenas o volume de estreia do autor. Ainda que naquele ano houveram outros
lançamentos de relevo, tais como “Carrilhões”, de Murillo Araújo (1894-1980), “Nós”,
de Guilherme de Almeida (1890-1969), “Uma Gota de Sangue em Cada Poema”, de
Mário de Andrade (1893-1945) e “Verão”, de Martins Fontes (1884-1937), o livro
de Bandeira sem dúvida foi, pelos rumos que a lírica nacional tomou após a
publicação, o mais significativo daquele ano.
Como afirmou Wilson Martins certa vez,
Bandeira foi, do ponto de vista da inspiração e da técnica, um simbolista
tardio e um precursor do Modernismo, como pode ser fartamente visto em A Cinza
das Horas. Vindo do Parnasianismo e do Simbolismo, ou do interregno que marcou
essa transição, Bandeira trouxe consigo esse sentido de artesanato poético, que
o acompanhou até o fim. Neste primeiro livro predominam ainda os versos
metrificados e rimados, contudo já se verifica um avanço significativo através
de poemas que transitam a polirritmia e ultrapassam a fronteira dos versos
livres, que viriam mais tarde.
É curioso lembrar ainda que Manuel
Bandeira traz a regularidade métrica como um dom praticamente inato,
custando-lhe os poemas em verso livre, polimétricos ou metrificados o mesmo
esforço. Se a poesia dele, como concepção, sofreu a influência decisiva do Modernismo,
foi a partir da poesia divulgada através de A Cinza das Horas tecnicamente que ele
conservou o virtuosismo parnaso-simbolista através do qual não findou em nenhum momento.
Em Bandeira, o artesanato é, por assim
dizer, uma habilidade manual ou física, que, pelo longo exercício dos decênios
posteriores, na afirmação da poética, brota naturalmente sem força e com
fluidez. O vate pernambucano, tal como pode ser visto nos volumes posteriores, já
mostra estar de posse de todas as suas virtudes e qualidades como artista do
verso desde o primeiro livro. Por isso, nestes cem anos da estreia, Manuel Bandeira
ensinou a todas as gerações posteriores que a expressão poética é o sentido
último da poesia no poema, que está acima de qualquer esteticismo ou
sentimentalismo equivocado. Ou seja, ensinou a todos nós como a poesia deve ser.