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Lêdo Ivo: 1.099 páginas de poesia |
Seguem abaixo quatro poemas de Lêdo Ivo
que possuem as temáticas da exaltação e contemplação da figura feminina. As
mulheres e tudo que as circundam, na graciosidade e beleza, constituem temas
frequentes na extensa obra poética de Lêdo Ivo. Os poemas pertencem aos seguintes
livros: As Imaginações (1944, livro de estreia ao autor), A Jaula (obra
publicada primeiramente em edição conjunta com a Ode ao Crepúsculo, de 1948) e
Cântico (1951).
SONETO DA MULHER E A NUVEM
A João Cabral de Melo Neto
Nuvem no céu do nunca, nem tão branca
-- assim era o amor, à minha espreita,
e era a mulher, dê nuvens sempre feita
e de véus e pudor que o amor arranca.
Não pude amá-la, pois não era franca
a sua carne que o amor aceita,
nuvem que um céu de amor sempre atravanca
e entre praias e pântanos se deita.
Bruma de carne, em vão céu de tormento,
parindo fogo aos meus dezesseis anos,
assim foi ela, sem deixar seu nome.
Nunca foi minha, e só em pensamento
eu pude dar-lhe o amor de desenganos
que me deixou no corpo espanto e fome.
ELA ME VISITAVA EM CERTAS MANHÃS
Trazes o amor, em mistura com a morte.
E teus gestos lentos habitam todos os
instantes
em que uma flor cai ou uma estrela
passa.
E tuas mãos, brancas de orvalho ou
queimadas de sol,
guardam lembranças maiores que visões
de ilhas.
Vieste para levar meu sonho sob o céu
e saber-me perdido na desesperança.
Não me esquivarei no entanto ao teu
convite.
Que queres, castelã? Amor, soneto ou
ode?
dou-te o que desejas. Escolhe em mim
este riso, esta carícia, este grito,
estes braços.
Deixa-me porém nada escolher de ti.
Já és a própria escolha. Entra,
visitante,
e sê a permanência, o sempre junto a
mim.
TOMÁVAMOS BANHOS DE MAR
Indiferente à tua mudez
descubro-me na varanda onde navegam
maiôs em idílios matinalmente
justificáveis.
Quisera ir flutuando contigo
até os rios onde a aurora nasce
e a chuva guarda o céu.
No mar te afogas.
Moça de corpo úmido, teu desejo está
salvo.
Se o vento soprar, fugirei para longe.
A maré vazava, descobrindo rochedos
onde os primeiros peixes do mundo
cintilavam, libertos.
Morrer contigo longe, onde não chegam
as lágrimas.
Perder-me na magia irregular de tua
adolescência
e secar-me para sempre na tua umidade.
Não mais os anjos, o violento, o
longínquo.
na calma das pedras as nuvens cobrem o
céu
e teu corpo cobre o sono, o tédio, os
grandes sonhos.
SONETO DAS MOÇAS MORENAS
Cinco moças morenas, a dançar
no verde bangalô sobre a colina,
juntam-se numa única menina
para morrer de amor, sempre a bailar.
Jogar-se-ão desse baile em pleno mar
quando a tarde descer sobre a colina
e a casa grande for parar na esquina
onde as rosas cessaram de brotar?
Cinco moças morenas, residentes
nos blues que imaginaram todo o mar
e vestiram de verde os arvoredos,
não dancem mais, não cantem os
frementes
cantos de amor distante; a os escutar
silenciarão de amor estes rochedos.
In: IVO, Lêdo. Poesia Completa: 1940-2004. Rio de Janeiro: Topbooks, 2004
___________. O Sinal Semafórico: Poesia. Rio de Janeiro, Livraria José Olympio
Editora, 1974.